SER HOMEM HOJE
O
que é ser homem?
Ser
homem hoje num centro urbano, é o mesmo que é entre os ianomanis ou o que
era entre os bandeirantes da época colonial?
Não,
não é.
Porque
ser homem não é uma questão apenas biológica, as diferentes masculinidades
se constróem conforme a sua cultura.
Ser
homem é algo a ser conquistado pelo menino, é algo absorvido de uma
expectativa social que já começa antes mesmo da escolha da cor das roupas do
bebê, permeia seus brinquedos, seus podes e não-podes, seus heróis, seus
esportes, seu estudo, seus amigos e suas paqueras, sua profissão, seu papel
na família.
Uma
expectativa social tão profunda que só percebemos a ponta de seu iceberg,
mas que vai influenciar o que este homem vai poder desenvolver com esta mesma
profundidade.
Por
muito tempo, ao homem foi reservado o espaço do prover; à mulher coube o
espaço do cuidar.
Ao
homem coube o espaço fora de casa, de caçar, de construir, de produzir; à
mulher o espaço do lar, de nutrir de comida e afeto, de educar, de se
responsabilizar pelo outro.
E
a mulher educou os meninos a desenvolver mais alguns sentimentos e as meninas
outros. A expressão da raiva coube ao masculino por favorecer a agressividade
necessária ao provedor, a expressão da ternura coube ao feminino por
favorecer à nutrição e ao cuidado. Ao masculino coube o fazer, ao feminino
coube o sentir. O menino nem mesmo aprendeu a reconhecer o que sente e poder
falar sobre seus sentimentos.
Mas
às culturas mudam, e as mulheres entram no mercado de trabalho, a automação
progride, o capital internacional se desloca da produção para a especulação
financeira gerando uma sociedade sem empregos. O trabalho se especializa tanto
que o homem não conhece o que produz. O desemprego e o sub-emprego crescem, e
com eles a crise de poder do homem que não consegue mais cumprir o papel que
é dele esperado.
Sem
ter desenvolvido uma capacidade de expressão emocional, faltam aos homens
palavras para elaborar essa transformação. Sem palavras, sentindo-se ferido,
ele uso o punho como defesa e se torna violento.
Mas
qual tem sido o modelo do homem masculino? O machão.
O
estereótipo do machão é centrado nos excessos: de sexo, atividade,
velocidade, poder, etc. Ele é insensível, vingativo, arrogante, reservado,
frio, prepotente, autoritário, rebelde, dominador, cínico, exibicionista,
cheio de si, voltado para a ação em detrimento dos sentimentos, incapaz de
controlar seus desejos. Sua valentia encobre o enorme medo que tem do
desamparo, de aceitar a sua receptividade, de ter consciência da dor.
Em
resumo, do homem se espera que ele seja desumano. Violentado na sua
humanidade, o homem se volta violento.
Toda
violência é prepotente. Toda prepotência é uma reação a uma impotência
a ser escondida. Quando não há o poder real, no sentido de uma capacidade
para realizar, surge o poder de dominação. Quem realmente pode, não
necessita dominar.
Antes
expulso do espaço da casa, o homem hoje está sendo expulso do próprio espaço
social ao lhe ser subtraído o papel de provedor.
Seu
refúgio? A ilusão. Ao invés de produzir realidades passa a consumir
imagens.
Ao
perder as disputas reais, busca um outro espaço onde possa vencê-las. Seus
heróis, nos filmes de ação lutam por ele, nas novelas transam por ele, e os
robôs produzem por ele carros na fábrica onde ele trabalhava. Ao menos assim
ainda se sente inserido na sociedade, e como ela é rica e poderosa por trás
das telas e vitrines. Mas ele luta sim, ontem destruiu todos os bandidos no vídeo-game,
transa pelo disque-sexo e pela Internet, e algum dia ainda vai comprar aquele
carro fantástico quando ganhar na sena.
Ao
perder a sua força real, o homem de hoje retoca a sua imagem para não perder
a pose; malha, mas hoje seus músculos não mais constróem, só servem para
ele se exibir. Vive em um espaço tão virtual quanto o H de Homem.
Sua
alternativa? Conquistar os espaços da realidade perdida: no lar, na
intimidade do seu corpo, na expressão de sua emoção, na integração do seu
afeto com sua sexualidade, qualquer que seja sua orientação sexual.
Surge
um novo omem sem H que quer liberar a sua lágrima, poder dizer não na
cama, ser tirado para dançar, receber flores, trocar fraldas, simbolizar seu
órgão de amor mais por coisas gostosas do que por instrumentos de guerra
(expressões extraídas do manifesto masculinista); em suma, resgatar o espaço
de sua sensibilidade, descobrir que há um coração pulsante escondido sob
esse peito.
Percebe
que foi ele mesmo quem construiu este espaço social de uma frieza que agora o
exclui, e que portanto pode alterá-lo.
Para
reconquistá-lo só precisa do calor de seu próprio coração.
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